APRESENTAÇÃO

      MEMÓRIA VIVA é título sugestivo e apropriado para esta obra, escrita a quarenta e seis mãos, que tenho grande prazer em apresentar ao público da gloriosa Polícia Militar de meu Estado e à sociedade civil.
O passado e o presente aparecem nas páginas deste livro de tal forma a,amalgamados, que o leitor não se surpreende ao conviver com história afins de cadetes de 1990 ( - netos dos cadetes do Instituto Propedêutico – embrião da Academia Militar de hoje) com os cadetes de 1936: a luta do aluno em busca do aspirantado, mesclada de muito ingrediente político-social de várias épocas, como registra o prefácio. Também, em seu conjunto, marcante herança cultural da ordem, da disciplina, da coesão, da fraterna solidariedade – características que perpassam todas as turmas.
      A visão diacrônica da Milícia de Tiradentes emerge, espontânea, das leves crônicas, às vezes jocosas, que compõem MEMÓRIA VIVA, e se reveste de considerável interesse histórico especialmente para a Corporação e as coirmãs com que mantém intercâmbio.
Parabéns à Polícia Militar por tão importante iniciativa.

   
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A FORMAÇÃO DOS OFICIAIS NA PMMG: UM POUCO DE HISTÓRIA

Tem. Cel QQR cpl Luiz De Marco Filho *
Maj. Antônio Caetano de Almeida Júnior **

     A partir de sua origem, a Polícia Militar de Minas Gerais por longo período viveu praticamente aquartelada, com armamento e instrução semelhantes aos da força terrestre de qual era considerada reserva operacional.
Atuando isoladamente ou vinculada à ação das Forças Armadas, contribuiu decisivamente para a solução de conflitos em todo o território nacional. Já num estágio mais avançado, tornou-se um dos principais órgãos encarregados da segurança pública, competindo-lhe o exercício da policia ostensiva de preservação da ordem pública.
Vendo seus dirigentes a possibilidade de continuar essencialmente militar, foi constatado que seu futuro estava em aprimorar-se no serviço policial, mantendo, contudo, a estrutura militar.
      A data oficial da sua criação é 10 de outubro de 1831, quando, através de Decreto Imperial, foram os presidentes de províncias autorizadas a criar corpos de guardas municipais. Porém, a data real de criação da PMMG é 12 de dezembro de 1831, por deliberação da 17ª Sessão Extraordinária do Conselho da Província de Minas Gerais, conforme consta no Arquivo Publico Mineiro.
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* Historiador, diretor do Museu Histórico da Corporação, instrutor de Histórico Militar da PMMG para o CFO e capelão da APM.

* Aspirante da turma de 1971, professor e engenheiro civil, sendo atualmente o Chefe da Divisão de Pesquisa da APM.

      Trata-se, pois, de uma organização sesquicentenária que, mesmo passando por transformações, manteve, adestrando, formando e aperfeiçoando seus quadros, em todos os níveis.
      Somente após a mudança da capital para Belo Horizonte, foram elaborados planos de instrução de tropa, iniciativa inédita na corporação. Até então os nossos valentes antepassados eram recrutados nas frações, de forma descentralizada, onde recebiam farda, equipamentos, armas, e, após um treinamento de tiro, eram lançados no serviço.
      O acesso à carreira independia de qualquer preparação específica. Dava-se pelo critério exclusivo de merecimento, levando em conta apenas os bons serviços prestados, disciplina militar, inteligência, probidade, procedimento militar, subordinação, valor e zelo.
Nas duas primeiras décadas de 1900, a corporação sofreu profundas modificações, sendo 1912 o marco inicial da formação profissional sistematizada, com a contratação de Roberto Drexler, capitão do exército suíço, comissionado coronel da força pública em 24 de dezembro de 1912 e de seu filho, Rodolpho Drexler, para assessorá-lo, bem como de técnicos paulistas para a instrução militar e adestramento das praças. Restava a necessidade do desenvolvimento e elevação do nível intelectual de seus oficiais.a
      Com esse propósito, um grupo de oficiais, liderados por Otávio Campos do Amaral, propôs, em 1916, a criação de uma escola para aperfeiçoamento dos oficiais, a qual, apesar dos esforços, não foi implantada. Dada a premente necessidade da reciclagem dos oficiais, oficiosamente passou a funcionar à noite, no quartel do 1º Batalhão, no bairro Santa Efigênia, um curso de aprimoramento para os oficiais.
     A preocupação com a formação de oficiais foi uma decorrência da necessidade de aperfeiçoamento dos militares de assessoria e comando, dada a conturbada fase política verificada na década de 1920.
      A demonstração de astúcia e heroísmo dos oficiais da força pública, na revolução de 1930, custou-lhes caro, devido à deficiência em sua formação profissional, principalmente quanto ao aspecto técnico-científico. Cientes disso, os comandantes, mesmo durante o desenvolvimento das operações, recorriam a amigos da corporação, especializados em determinados assuntos, que costumavam atender desinteressadamente às solicitações, para ministrarem instruções gerais ao oficialato.
      Após a participação na revolução de 1930, como era grande o número de oficiais comissionados, um grupo de oficiais superiores, relembrado os serviços prestados pelo professor João Batista Mariano, religioso e sábio, convidou-o a ministrar algumas instruções aos oficiais do V Batalhão de caçadores, hoje, 5º Batalhão de Polícia Militar.
      O mestre, prestativo como sempre, aceitou o convite, porém as iniciar as aulas, percebeu logo que os seus alunos necessitavam inicialmente de uma base de conhecimentos. Para suprir essa falha, o professor B. Mariano elaborou o plano de um curso Técnico-Militar e propedêutico, que foi aprovado e logo posto em prática.
      Mal tinha iniciado o referido curso, todas as unidades da capital solicitaram o mesmo benefício que a elas foi estendido.
      Em maio de 1932, por ocasião das comemorações do 10º aniversário de fundação do Vº Batalhão de Caçadores, a unidade foi visitada pelo Dr. Olegário Dias Maciel, presidente de Minas Gerais, acompanhado pelo Dr. Gustavo Capanema, secretário do interior, e muitas outras autoridades do Estado.
      Naquela época, a força pública era comandada pelo secretário do interior, tendo, dessa forma, o Dr. Gustavo Capanema exercido o comando-geral de 26 de novembro de 1930 e 05 de setembro de 1933.
      Durante a visita, o presidente do Estado e o secretário do interior tomaram conhecimentos do curso que era ministrado pelo professor B. Mariano aos oficiais. Sendo exibida a coleção de trabalhos elaborados pelos alunos, chegaram, em princípio, a duvidar de sua autenticidade, devido ao elevado nível.
      A dúvida foi logo desfeita, com a intervenção do comandante, confirmando a originalidade de cada trabalho.
     O presidente Olegário, entusiasmado com o progresso alcançado pelos oficiais-alunos, mandou nomear João Batista Mariano, professor complementar da força pública, convidando-o, em seguida, para audiências no palácio, para o estabelecimento das bases de um curso que beneficiasse a todos os oficiais e sargentos da força pública e, em conseqüência, a criação de um Departamento de instrução (DI), aberto a todos o militares estudiosos.
No bairro Prado Mineiro, onde já funcionava o corpo escolar 1, foi então instalado o DI, criado pelo Decreto nº 11.252, de 03 de março de 1934.
      Alguns historiadores vincularam a criação do DI à extinção da Escola de sargentos. Essa, com sede na rua Aimorés, onde hoje funcionava o tribunal de Justiça Militar, foi extinta em 18 de agosto de 1931, pela participação de oficiais de seus quadros no movimento que visava a depor o presidente do Estado.
A nova unidade destinava-se basicamente a ministrar conhecimentos fundamentais às praças – requisitos que passou a ser exigido para acesso ao primeiro posto – e aos oficiais, conhecimentos complementares, que passaram a ser exigidos para promoção ao oficialato superior.
      Assim, fruto do trabalho abnegado e esforço do professor João Batista mariano, surgiram o curso de formação de oficiais (CFO) e o curso Especial, dadas as circunstâncias da ocasião, com início das aulas em 16 de abril de 1934.
     O curso Especial (duração de um ano) destinava-se aos segundos tenentes comissionados, proporcionando-lhes o direito à efetivação no posto e ascensão na carreira, até o posto de capitão. Poderiam ainda ser matriculados nesse curso os primeiros sargentos aprovados em exames de habilitação à promoção a segundo tenente.
      O CFO, com a duração de três anos era dividido em dois períodos: um de adaptação, com a duração de um ano: outro denominado Curso Geral, com duração de dois anos. Esse curso tinha a finalidade de proporcionar o acesso ao primeiro posto de oficialato.
      No Curso Especial foram matriculados 48 (quarenta e oito) alunos, dos quais apenas 33(trinta e três) concluíram-no com aproveitamento. Já o CFO teve início com 40 (quarenta) alunos, dos quais apenas 28 (vinte e oito) foram diplomados.
      No dia da formatura foi instituído o Estandarte da escola. Participava das cerimônias o Dr. Getúlio Dorneles Vargas, presidente da República, que entregou tal distintivo ao aluno Manoel de Almeida, primeiro colocado na turma.

1 Unidade destinada exclusivamente ao reenquadramento de militares

     “ A criação do CFO constituiu-se no marco de transformação da força pública em uma corporação moderna. Foi uma experiência que deu certo. É bem verdade que, durante mais de meio século de existência, tanto a escola quanto o curso sofreram várias modificações, objetivando a necessária adaptação aos novos tempos.
      A denominação DI resistiu desde a sua criação até 18 de julho de 1975, quando, pela lei 6.624, passou a ser chamar Escola de Formação e aperfeiçoamento de oficiais (EsFAO). A denominação atual de Academia de Polícia Militar (APM) veio com a lei 7.625, de 21 de dezembro de 1979.
      Assim como a escola, o seu principal curso, o CFO, passou também por modificações quanto à estrutura, duração, conteúdo programático e requisitos dos candidatos.
Desde a criação do CFO, funcionavam outros cursos no DI, visando ao atendimento de circunstâncias, a exemplo do curso Especial que foi implantado logo no início. Além do curso Especial, existiram os cursos de formação de oficiais de administração (CFOA) e o curso Especial de formação de oficiais (CEFO).
      Ao CFOA, destinado a formarem oficiais para a administração, concorriam apenas os sargentos, e os formados passavam a pertencer ao quadro específico.
      O CEFO foi criado para atender aos militares possuidores de curso de 3º grau do sistema civil de ensino. Tinham a duração reduzida e não havia quadro específico para os formandos desse curso.
      De forma análoga, foi criado e existe até hoje o curso de habilitação de oficiais (CHO), com duração de um ano, destinado aos subtenentes e primeiros e segundos sargentos (CAS) e ensino de 2º grau do sistema civil de ensino, todos com mais de 18 (dezoito) anos de efetivo serviço. Esse curso visa habilitar a praça antiga a alcançar o oficialato nos quadros de especialistas. Assim, da denominação genérica CHO deveriam as denominações específicas por área: Curso de habilitação de oficiais de administração (CHOA), curso de habilitação de oficiais de comunicação (CHOCom) e curso de habilitação de oficiais de saúde (CHOAuxs).
      Para ingresso no CFO, durante os primeiros anos de funcionamento, não era exigido do candidato qualquer grau de escolaridade. O universo de candidatos se limitavam aos graduados pertencentes à Corporação e que atendessem a requisitos de ordem profissional.
A questão da melhoria do nível intelectual dos oficiais passou a ser assunto prioritário a partir do término da segunda guerra mundial, durante o comando do coronel José Vargas da silva, de 18Nov46 a 04Jan51. Como resultado de seu trabalho, a partir de 1949, o concurso ao CFO foi aberto a candidatos civis e, através da lei Federal nº 1.821, de 12Mar53, o CFO foi reconhecido como equivalente ao 1º ciclo do curso secundário, denominado curso ginasial. Mesmo na época, a equivalência conseguida deixou a desejar, pois a respectiva validade era inviável devido às exigências estabelecidas na legislação, dentre as quais a duração de 5 anos letivos.
      Essa lei vigorou apenas por aproximadamente 4 anos, quando foi modificada pela lei Federal nº 3.104, de 01Mar57, elevando a equiparação do CFO ao 2º ciclo do curso secundário, denominado curso colegial, bastando a exigência de curso ginasial dos candidatos ao curso e duração de 3 anos.
      Essa disposição legal teve um grande alcance, pois valorizou o CFO. Numa primeira fase, o curso ginasial foi exigido apenas do candidato civil, pois era reduzido o número de praças de Corporação que possuíam tal curso. Assim, os subtenentes ou sargentos se inscreviam no curso ao CFO independente do grau de escolaridade que possuíam, ficando estes prejudicados quanto à continuação dos estudos no sistema civil de ensino.
      Para a solução desse problema, tentou-se a equiparação do curso de formação de sargentos (CFS) ao curso ginasial, no conselho Estadual de Educação (CEE), através do processo nº 3.563. Em 06Ago74, com o parecer nº. 340/74, publicado no Diário Oficial do Estado, de 20Ago74, o CEE negou a equivalência, pela curta duração do CFS, incoerência curricular com o curso ginasial e falta de amparo legal.
      Procurando a padronização do nível de escolaridade dos oficiais, por força do Decreto Estadual nº 12.911, de 19Ago70, passou a ser exigida de qualquer candidato ao CFO à conclusão do 2º grau.
      A partir de então, foi possível através do processo nº 233 e parecer nº 237/83, do conselho federal de educação, o reconhecimento da equivalência do CFO a curso de 3º grau do sistema civil de ensino.
      O fato de a Polícia Militar ter conseguido sobreviver aos percalços, através da adaptação a novas realidades deve-se fundamentalmente à formação de sua liderança, através do CFO: daí a importância desse curso para a corporação.